quarta-feira, junho 24, 2009

Retrocedi mais de 30 anos na minha memória (Neda)


Ao ver e rever as imagens da morte de Neda, ao ler os textos que documentam essas imagens, se é que existem textos que as possam documentar, volto atrás mais de 30 anos, ao ano de 1975, ao período que mediou entre o Verão quente, do PREC, e o 25 de Novembro.
Relembro ter estado numa manifestação em Caxias pela libertação dos presos do MRPP, pessoas que foram detidas pela COPCON por serem simplesmente pessoas que não interessavam ao regime da altura.

Relembro que isto se passou já depois do 25 de Abril.

E lembro que foi o dia em que mais medo tive na vida, o dia em que soube o que era o medo, em que senti na pele como o medo nos pode impedir de andar.

Tinha 16 anos. Sei que foi um sábado. Sei que fui de comboio até Caxias e que lá, me juntei a outros muitos que iriam até à prisão manifestar-se pacificamente pela libertação dos amigos. Sei que andámos alguns metros, 100, 200, não sei quantos. Sei que deparámos com um “chaimite” pela frente. Sei que dispararam gás lacrimogéneo, sei que pus panos em frente da boca e nariz, que levei limão para proteger os olhos.
Sei que depois dispararam tiros. Sei que fugi. Sei que corri para a estação, onde nos reorganizámos.
Mas também sei e me lembro que não voltei a conseguir sair de lá.
Os pés ficaram presos ao chão, as pernas recusaram-se a andar.

Nunca mais participei em nenhuma manifestação.

E hoje, ao ver a curiosidade duma iraniana em assistir a uma manifestação e a levar um tiro no peito que a queimou, ao ver as imagens que têm percorrido o mundo, não posso deixar de pensar que pode ter sido por isso que tive medo, mas que foi esse medo que me impediu de me confrontar com um tiro certeiro.

“Um tiro e basta”, parece que foram palavras dela, antes de ir de encontro à morte. Pois é. Um tiro e basta. Acaba tudo.

RIP Neda

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