segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Já não se pode rir!

Pois é mesmo verdade, já não podemos rir. Ou seja, temos de ter muito cuidado quando e onde rimos.
Na passada semana, a minha sogra, que se aproxima dos 80 anos, foi a uma consulta de rotina de cardiologia, no Hospital S. Francisco Xavier.
Depois de fazer os exames de rotina, a médica, disse-lhe que, lamentava muito, mas ela teria de ficar internada, porque o ritmo cardíaco estava muito acelerado e tinha de se ver o que estava a causar aquilo.
Muito aborrecida, a minha sogra deu entrada na urgência, onde lhe foram feitos novos exames ao coração e onde já estava com um ritmo quase normalizado.
Então, quase como se duma confidência se tratasse, a minha sogra disse à senhora que lhe estava a fazer o exame:
"Sabe? Eu tenho dois filhos que são uns gozões e um deles veio comigo à consulta. Estávamos os dois lá fora e eis que o meu filho me diz: olha aquele, parece mesmo o Charlot! Eu olhei e comecei a rir, a rir, a rir, sem conseguir parar. O homem tinha as pernas tortas, um chapéu na cabeça e uma bengala e, apesar de mais alto, parecia mesmo o Charlot! Eu acho que foi por causa disso que o meu coração disparou..."
A senhora começou também a rir e a minha sogra teve alta e voltou para casa. Mas estava cheia de medo que o homem aparecesse outra vez e se vingasse dela o ter gozado tanto, obrigando-a a ficar internada só por rir!

domingo, fevereiro 24, 2008

Manuela

Desde os meus tempos de criança, que me habituei a ouvir falar nela. Principalmente por ter sido colega da minha mãe na Universidade, com a "Xacúntala" e mais outra que não recordo o nome. Era visita assídua na minha casa e eu recordo que as cartas dela eram sempre recebidas com muita alegria pela minha parte. Conhecia a letra dela à distância e estava sempre em pulgas para saber dela. Para mim, a Manuela era uma aventureira, que tinha crescido num sítio muito longe, em Angola e que tinha sempre histórias muito giras para contar. Lembro-me também do livro que ela escreveu e que ofereceu à minha mãe, e de eu o ter devorado e ter "passeado" com ela pelas areias do deserto...

A vida dá muitas voltas, a Manuela casou-se já muito tarde (para mim, claro) e durante muito tempo pouco ouvi falar dela. Lembro-me das cartas chegarem, dela ter ido à União Soviética, da relação com a minha mãe ter esfriado, mas não sei bem porquê.

Entretanto eu também cresci, empreguei-me, casei, tive filhos e a Manuela talvez tenho caído no esquecimento.

Foi portanto com alguma surpresa que soube que, depois da morte da minha mãe, o meu pai e ela reataram o contacto. Ela estava divorciada, sem filhos e o meu pai estava sozinho, cheio de filhos, mas todos fora de casa e com as suas vidas organizadas.

Daí até casarem foi um pulinho. Acho que a Manuela foi uma coisa óptima que nos aconteceu, por ter dado nova vida ao meu pai, que bem precisava.

Mas para mim a Manuela não é a minha madrasta. Ela continua a ser aquela menina que cresceu no deserto, no muito sul de Angola, onde os negros eram talvez uma "raça entre os animais e os brancos" como ainda hoje ela nos confidenciou, onde havia negros com "feições correctas" e outros nem tanto, onde as laranjas não eram cor-de-laranja, mas amarelas (que surpresa quando chegou a Lisboa e viu laranjas cor-de-laranja!!!).

Passaram-se muitos anos desde que ela saiu da Baía dos Tigres, mas ainda hoje uma lágrimazinha assomou nos seus olhos, quando ela falou da sua infância. Continua a ser uma boa contadora de histórias e eu continuo a gostar de a ouvir contá-las.

Obrigada, Manuela.